Ao invés da clássica pergunta: como se deve ensinar a escrever, Emilia Ferreiro perguntou como alguém aprende a ler e escrever independente do ensino.
As teorias desenvolvidas por Emilia Ferreiro e seus colaboradores deixam de fundamentar-se em concepções mecanicistas sobre o processo de alfabetização, para seguir os pressupostos construtivistas/interacionistas de Vygotsky e Piaget.
Do ato de ensinar, o processo desloca-se para o ato de aprender por meio da construção de um conhecimento que é realizado pelo educando, que passa a ser visto como um agente e não como um ser passivo que recebe e absorve o que lhe é "ensinado".
Na perspectiva dos trabalhos desenvolvidos por Ferreira, os conceitos de prontidão, imaturidade, habilidades motoras e perceptuais, deixam de ter sentido isoladamente como costumam ser trabalhados pelos professores. Estimular aspectos motores, cognitivos e afetivos, são importantes, mas, vinculados ao contexto da realidade sócio-cultural dos alunos.
Para Ferreira, "hoje a perspectiva construtivista considera a interação de todos eles, numa visão política, integral, para explicar a aprendizagem".
O problema que tanto atormenta os professores que é o dos diferentes níveis em que normalmente os alunos se encontram e vão se desenvolvendo durante o processo de alfabetização, assume importante papel, já que a interação entre eles é fator de suma importância para o desenvolvimento do processo.
Os níveis estruturais da linguagem escrita podem explicam as diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos. Segundo Emilia Ferreiro são:
1) Nível Pré-Silábico- não se busca correspondência com o som; as hipóteses das crianças são estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança tenta nesse nível:
- diferenciar entre desenho e escrita.
- utilizar no mínimo duas ou três letras para poder escrever palavras
- reproduzir os traços da escrita, de acordo com seu contato com as formas gráficas (imprensa ou cursiva), escolhendo a que lhe é mais familiar para usar nas suas hipóteses de escrita.
- percebe que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes
2) Nível Silábico- pode ser dividido entre Silábico e Silábico Alfabético:
Silábico- a criança compreende que as diferenças na representação escrita está relacionada com o "som" das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das palavras.
Silábico- Alfabético- convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e a criança pode escolher as letras ou de forma ortográfica ou fonética.
3)Nível Alfabético- a criança agora entende que:
- a sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores.
- a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que pode gerar as famosas dificuldades ortográficas
- a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras.
Smolka1 diz que podemos entender o processo de aquisição da escrita pelas crianças sob diferentes pontos de vista: o ponto de vista mais comum onde a escrita é imutável e deve se seguir o modelo "correto" do adulto; o ponto de vista do trabalho de Emília Ferreiro onde escrita é um objeto de conhecimento, levando em conta as tentativas individuais infantis; e o ponto de vista da interação, o aspecto social da escrita, onde a alfabetização é um processo discursivo. Cabe a nós pedagogos pensar nesses três pontos de vista e construir o nosso.
Coloca a autora ainda que para a alfabetização ter sentido, ser um processo interativo, a escola tem que trabalhar com o contexto da criança, com histórias e com intervenções das próprias crianças que podem aglutinar, contrair, "engolir" palavras, desde que essas palavras ou histórias façam algum sentido para elas. Os "erros" das crianças podem ser trabalhados, ao contrário do que a maioria das escolas pensam, esses "erros" demonstram uma construção, e com o tempo vão diminuindo, pois as crianças começam a se preocupar com outras coisas (como ortografia) que não se preocupavam antes, pois estavam apenas descobrindo a escrita.
"Analisar que representações sobre a escrita que o estudante tem é importante para o professor saber como agir", afirma Telma Weisz, consultora do Ministério da Educação e autora de tese de doutorado orientada por Emília Ferreiro. "Não é porque o aluno participa de forma direta da construção do seu conhecimento que o professor não precisa ensiná-lo", ressalta. Ou seja, cabe ao professor organizar atividades que favoreçam a reflexão da criança sobre a escrita, porque é pensando que ela aprende.
"Apesar de ter proporcionado aos educadores uma nova maneira de analisar a aprendizagem da língua escrita, o trabalho da pesquisadora argentina não dá indicações de como produzir ensino", avisa a educadora Telma. Definitivamente, não existe o "método Emília Ferreiro", com passos predeterminados, como muitos ainda possam pensar. Os professores têm à disposição uma metodologia de ensino da língua escrita coerente com as mudanças apontadas pela psicolinguista, produzida por educadores de vários países.
"Essa metodologia é estruturada em torno de princípios que organizam a prática do professor", explica Telma. O fato de a criança aprender a ler e escrever lendo e escrevendo, mesmo sem saber fazer isso, é um desses princípios. Nas escolas verdadeiramente construtivistas, os alunos se alfabetizam participando de práticas sociais de leitura e de escrita. A referência de texto para eles não é mais uma cartilha, com frases sem sentido.
Dificuldades de aprendizagem, será?
As crianças que não aprendiam de acordo com a expectativa do professor eram consideradas roblemáticas, imaturas ou com dificuldades de aprendizagem, necessitando de intervenção específica.
Os estudos de Emília Ferreira, nos permite acompanhar todo o processo o processo de escrita da criança, bem como as hipóteses que elabora à medida que se desenvolve. O que anteriormente foi considerado um problema nos casos em que se acreditava que a criança escrevia palavras sem sentido, com omissão de letras, tornou-se uma importante descoberta para pais e professores.
Emília Ferreior chamou a atenção para a importância do ambiente - que deve ser alfabetizador- devido a oferta de oportunidades e de acesso à escrita, diferenciando as crianças entre si. Crianças com mais estímulos e motivação tem maiores chances de construir melhor seu processo de escrita, sem que se constitua um problema para crianças com menos possibilidades. Ocorre que em decorrência do que foi escrito acima, não há déficits, apenas oportunidade!
Ambiente alfabetizador, não se constitui apenas com a decoração da sala que apresenta palavras, frases, versos, mas por meio da mediação do professor com seus alunos, respeitando o momento de cada um.
Ela constatou na sua investigação da leitura e da escrita entre crianças da faixa de 4 a 6 anos, uma sequência lógica baixa. Na primeira fase, a pré silábica, a criança não consegue relacionar as letras com o som da língua falada e se agarra a uma letra mais simpática para "escrever". Por exemplo, pode escrever Marcelo como MMMM ou AAAAAA. Na fase seguinte, a silábica, já interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor silábico a cada uma ( MCO pode ser grafia de Mar-ce-lo em que M= Mar, C= ce e O = lo) Um degrau acima, já na fase silábico alfabético, mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas propriamente ditas. Por fim na última fase, a alfabética, passa a dominar plenamente o valor das letras e sílabas.
Referênicia: Emílie Teberosky, Ana: Psicogênese da lingua escrita. Ed. Artes Médicas , Porto Alegre.´
Gosto muito desse texto pois me ajuda a tentar avaliar da melhor maneira possível meu aluno! É uma sugestão...
"... A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa" (Emília Ferreiro)